Em entrevista, Nando lembra que ouviu do presidente da gravadora que ele não vendia discos, apesar de ser um dos compositores mais gravados no país, segundo ranking do Ecad, órgão que regula os direitos autorais no Brasil. “Sou popular como compositor, não como artista”, explica. Pai de Theodoro, 28 anos, Sophia, 26, Sebastião, 19, e Zoe, 14, de seu casamento com a psicóloga Vânia Reis, sua atual mulher, e de Ismael, 8, de seu relacionamento com Nani, que ele conheceu durante os oito anos em que ficou afastado de Vânia, entre 2002 e 2010. Ele afirma que admira os filhos e assume que foi difícil para eles ver o pai dependente de drogas, assunto sobre o qual fala sem reservas. “A vida às vezes é um saco. Dá vontade de tomar um uísque”, afirma o músico, há mais de um ano sóbrio.
QUEM: O DVD Sei Como Foi em BH alcançou 25 mil cópias. O saldo de ter se tornado independente é positivo, afinal?
NANDO REIS: Acho isso ótimo. É uma dificuldade vender discos e DVDs aqui, é frustrante você fazer um disco como Sei, que é um dos que mais gosto, e as vendas não serem uma coisa do outro mundo... Fico feliz com essa marca, eu sempre quero chamar atenção para o meu trabalho.
QUEM: Por que decidiu ficar sem gravadora?
NR: Não decidi, a minha gravadora antiga decidiu. O presidente chegou e falou: “Não vou renovar porque você não dá lucro”. Fiquei surpreso, mas não estava desavisado. Sei como as coisas funcionam e vi o colapso da indústria fonográfica, sabia das minhas vendas. Minha crítica é sobre essa situação a que a gravadora chegou. A indústria não soube o que fazer com a chegada da internet.
QUEM: Parece um contrassenso. Você é um dos dez compositores mais gravados, segundo o ECAD.
NR: Também acho. Sou um autor gravado por outros artistas. Por isso, as pessoas talvez ainda não identifiquem que eu sou autor da minha própria obra. É curiosa minha situação de ser um autor muito popular e um artista não tanto.
QUEM: Foi difícil ouvir que não vendia?
NR: Não é uma coisa agradável de se ouvir. A indústria precisa do lucro. Mas, na minha cabeça, a riqueza tem outros valores, como a qualidade de um catálogo. Isso é tão importante quanto um artista que enche cofres, aparece e some. Por coisas como essas, a indústria se f*, então quero que ela se f*.
QUEM: Nessa fase, bateu arrependimento de ter saído dos Titãs, em 2002?
NR: Em nenhum momento. Eu sempre soube a diferença que seria sair de uma banda que falava para dezenas de milhares e depois falar para unidades. Foi a hora certa, se eu demorasse mais dez anos para tomar aquela decisão, não tomaria. Tenho arrependimento das idiotices que falei, das declarações desnecessárias de ambas as partes. Hoje em dia está tudo ótimo.
QUEM: O que aconteceu na época?
NR: Eu tinha uma ideia diferente deles do que íamos fazer com a banda, eu queria mais espaçamento para realizar trabalhos individuais. Uma banda tem uma dinâmica que é em função de decisões democráticas. O que o grupo decidir, todo mundo precisa acatar. E eu não queria fazer o que tinha sido decidido: gravar um disco depois daquela turnê, que vinha logo depois da morte do Marcelo Fromer e da Cássia Eller. Não posso me arrepender porque era uma coisa fundamental para a própria banda. Em um grupo, um cara que fica lutando contra atrapalha.
QUEM: A morte da Cássia Eller e do Marcelo Fromer tiveram a ver com a sua decisão, então?
NR: Foram determinantes pra que eu não quisesse adiar mais nada, porque vi que a morte pega a gente ali na esquina. Dentro do Titãs, o Marcelo era com quem eu falava todos os dias. Seis meses depois, perdi a minha grande parceira musical. Queria dar um tempo. Tinha gravado três discos solo e nunca tive tempo de divulgar por causa da agenda dos Titãs. Pensei: “Vou esperar mais o quê? Não vou deixar meu sonho arquivado numa prateleira”. Deixei a banda e decidi começar tudo de novo.
QUEM: Em entrevistas, você nunca escondeu sua relação com as drogas. Elas foram um problema para você?
NR: Tenho problemas com todas as coisas e expus parte deles. E já que expus, não tenho por que esconder mais. Ao mesmo tempo, sou um artista que fica com essa associação permanente.
QUEM: Você está sóbrio há quanto tempo?
NR: Estou há um ano e quatro meses sem álcool. Não gosto de usar a expressão limpo porque parece que a outra vida era suja. Minha vida mudou bastante. Bebi muito, era um bebedor pesado, era alcoólatra, alcoólico... da maneira que as pessoas quiserem denominar. E isso chegou a me dar uma gastura, chegou mesmo a comprometer um monte de outras coisas na minha vida. Sempre gostei de drogas, entre elas a cocaína. As duas coisas tiveram seu momento na minha vida e foram tão excessivas que derramaram e viraram públicas.
QUEM: Como está agora?
NR: Estou bem, feliz da vida, descobrindo coisas que, nos anos de tanta loucura, me passaram despercebidas. Há uma diferença muito grande na forma de raciocinar. Há um outro dado que é o desgaste do corpo. E hoje tenho 51 anos. Gostaria de beber, fumar, cheirar, jogar futebol, trepar oito vezes por minuto como fazia quando era jovem, mas o corpo muda, não é a mesma coisa. Não há como dizer que a vida saudável não tem seus benefícios. Nos anos de loucura, vivi abstêmio de muitas coisas.
QUEM: Abstêmio de quê?
NR: Acho que as relações afetivas, as relações familiares, ficaram comprometidas. Não é que eu tomasse um uisquinho, eu tomava uma garrafa inteira, cheirava a noite inteira. Não sou um cara de meio termo, gosto das coisas intensas. Acho admirável quem toma uma tacinha de vinho para jantar. Não vou dizer que nunca mais vou beber ou cheirar, isso não interessa. Estou num período de abstinência e, sinceramente, não quero mais viver numa barra pesada como foram os meus últimos anos.
QUEM: Quando decidiu parar?
NR: No dia em que minha mulher disse que não dava mais, que estava muito difícil. Perguntou por que não experimentava ficar sem beber. Eu, que achava uma coisa impossível, falei: “É verdade”.
QUEM: Parou sozinho com tudo?
NR: Claro que tenho ajuda. Tenho psiquiatra, tomo medicação e tudo mais. A própria decisão veio muito de ouvir a minha mulher e ver os meus filhos de saco cheio da minha forma de ser. Vi que não estava bom. Por outro lado, eu é que decidi. Não é que esteja proibido de beber: não quero beber.
QUEM: Muitos artistas dizem que a droga ajuda no processo de criação. É verdade?
NR: Sempre trabalhei brilhantemente sob o efeito da cocaína, sempre gostei. Agora, não foi o pó que me fez. Continuo compondo. Não mudou nada. Há questões de inibição, de excesso de autocrítica, a vida na estrada, depois de um show pegar um uísque e uma peteca de pó...
QUEM: Era uma forma de conter a inibição em show?
NR: Sim, sempre foi. Você fica em pânico, tem medo. Por outro lado, tem ambição, uma vaidade, todos os desafios... Sem dúvida nenhuma, tecnicamente, a lucidez e a sobriedade são muito melhores.
QUEM: Você fala bastante da sua mulher, a Vânia, de quem se separou por um tempo e com quem voltou a se casar. Como foi isso?
NR: Foi ótimo. Conheço a Vânia desde os 15 anos e sempre fui apaixonado por ela. Minha história de vida com ela vai muito além do casamento. A nossa união é tão forte e tão intensa que, mesmo nos anos da separação, nos falávamos quase diariamente. Não havia um lugar lindo em que eu fosse que eu não pensasse nela e não tivesse vontade de estar com ela. E isso mesmo estando apaixonado e envolvido com outras mulheres.
QUEM: Vocês moram em casas separadas?
NR: Sim, mas isso é bobagem. É consequência da vida que tínhamos ao nos reencontrarmos: eu tinha uma casa e ela outra, a minha abrigava muita coisa. Mas passo toda noite com ela, durmo com ela. Brincamos que a casa dela é da cidade e a minha, de campo.
QUEM: Como é o Nando pai?
NR: Acho que sou um bom pai. Claro, tenho falhas, impaciência... Provavelmente, quando bebia muito, devo ter sido chato demais. Admiro meus filhos, gosto da paternidade. Mas sei que os filhos vão crescer e vão ter as próprias vidas, então a minha vida é com a Vânia.
QUEM: Você fala tudo com eles?
NR: Não, tem coisa que não precisa falar. Não é hipocrisia, é adequação de temas a idades. Trato de drogas com eles, mas como falar para o meu filho de 8 anos: “Filho, papai cheirava cocaína”? Tem coisas que são tão espinhosas e que não têm a ver com drogas. A fama enche o saco dos meus filhos.
QUEM: Qual a diferença entre ser pai e avô?
NR: Não sou deslumbrado com isso nem me sinto mais velho. Adoro minha neta (Luzia, de 4 anos, filha de Theodoro). Há uma diferença de 22 anos e de ver meu filho se tornar pai, passando por todas as durezas: “Marvin, agora é só você (diz, citando o sucesso “Marvin”, dos Titãs, de 1984)!”